segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Dorival Júnior fala sobre o Santos, a carreira e o futebol brasileiro

Quase cinco anos depois, Dorival Júnior voltou ao Santos. Na bagagem, trouxe o objetivo de terminar o trabalho interrompido em setembro de 2010, quando decidiu punir Neymar por mau comportamento e foi demitido pelo então presidente Luis Alvaro Ribeiro. 

O que não trouxe foi mágoa dos envolvidos, já que tudo não passou de um mal-entendido. “Três dias depois, conversamos e vimos que houve um desencontro”. Apesar disso, em entrevista exclusiva a A Tribuna, ele garante que faria tudo de novo, mesmo com o risco de perder o emprego e ter os problemas decorrentes da saída do clube. “Complicou toda minha carreira”.

Treinador diz não ter mágoas dos envolvidos em sua demissão do clube em 2010


Como é voltar para o clube?Não é normal. Tem um sentimento que fica, pela maneira como foi a saída e por tudo que aconteceu depois. É uma satisfação voltar, sabendo que deixei um trabalho realizado e reconhecimento. Quero marcar novamente e tenho certeza de que algo bom vai acontecer.

O sucesso da primeira passagem aumenta o desafio?
Lógico que a expectativa é criada em razão do que aconteceu. Mas, naquele momento, outros fatos nos levaram a tudo aquilo (títulos). Agora, é uma nova trajetória.

É a chance de terminar um trabalho interrompido?
É com esse espírito que estou vindo, e não tenho dúvidas de que vou alcançá-lo. Quero deixar algo plantado, como na vez anterior. Quase todo o time (titular) da final da Libertadores esteve comigo, à exceção do Elano. Todos tinham trabalhado na formação daquele elenco. Desafios e objetivos ficaram para trás e motivam a resgatar o que passou.

O prazo contratual (fim de 2017) lhe surpreendeu?
Não, era o objetivo. Não viria para trabalho imediato, não pegaria um clube nessa condição. Aconteceu com o Palmeiras e não queria mais que viesse a acontecer. Quero me responsabilizar pelo que faço, e só o trabalho a médio e longo prazo proporciona isso tudo.

Mesmo assim, não é comum ver contratos tão longos. Será que o futebol brasileiro está preparado para trabalhar com treinadores dessa forma, quer dizer, sendo menos imediatista?
Isso ainda é utópico. O País não está preparado para isso, temos de mudar muita coisa. E está na hora de acordarmos nesse sentido, pararmos de jogar toda a culpa de tudo nas costas de uma só pessoa. Porque não é verdadeiro e tem sido uma muleta para que muitos se escorem e não se exponham em razão dos erros cometidos. Jogam tudo em cima do treinador. E para o treinador, fica essa ciranda, mundo viciante, que não é saudável para ninguém. 

Os clubes são penalizados e muito. Alterações devem acontecer, mas em momentos em que não se veja mais possibilidade de sequência de trabalho. No Brasil, não é assim e, por isso, estamos na contramão da história e vivendo talvez o pior momento técnico do nosso futebol. 

Quando todos falam que o treinador não se qualifica, não é isso, não. É que não tem tempo de trabalho, não consegue plantar, corrigir a plantação para alcançar a colheita. Ficamos no meio do caminho e responsabilizados por coisas que nem fomos nós que iniciamos. É situação cômoda, e essa transferência de responsabilidade é o que faz o futebol caminhar da maneira como está. É uma coisa absurda.

Voltando a falar do time de hoje, a geração atual não é igual a de 2010. O quanto isso aumenta seu trabalho?
Encontrar jogadores como Robinho, Neymar, Paulo (Ganso) é cíclico. Agora, é outro momento. É importante trabalhar com atletas excepcionais, mas também lidar com grandes jogadores que possam dar retorno.

Como tem sido convivência com Marcelo Fernandes?
Muito boa. Grande profissional, grande pessoa, assim como o Serginho (Chulapa). Estamos nos conhecendo aos poucos, mas me passam respeito e merecem respeito.

O que te surpreendeu positivamente no retorno?
Saber que o Santos continua sendo um grande produtor de garotos e talentos. É isso que queremos e que acentue.

A geração atual não é igual a de 2010. Quanto aumenta seu trabalho para ter resultados parecidos? Você comandou Robinho, Neymar e, agora, Gabriel. Compara-se muito este último às estrelas citadas. Quanto isso pesa sobre ele?
Isso é desnecessário. É garoto, eu estranhei até, pois são 100 jogos com 18 anos. É prematuro, poderia não ter despontado por queimar etapas. Felizmente, amadureceu rápido. Isso (comparações) gera outra situação para quem não consegue manter regularidade e acaba sucumbindo.

Como foi o intervalo entre sua saída do Santos e a volta? No começo do ano, esteve em alguns clubes da Europa. Foi algum estágio?
Não foi. É o terceiro ano que faço isso. Temos que entender que o mercado europeu está distante do sul-americano. Temos de ser humildes, irmos até lá e adaptarmos algo que imaginemos seja correto para introduzir no nosso meio. Fui com essa intenção.

Pelo que viu, nossos técnicos estão defasados?
Não existe defasagem grande, taticamente falando. Lá, são muito profissionais, existe planejamento. Os contratos são cumpridos, e as pessoas se respeitam. No mais, é por isso que dão banho nos países sul-americanos. A inversão de valores aconteceu, principalmente no Brasil, e fez com que perdêssemos terreno. E estamos tomando atitudes que comprometem o desenvolvimento das equipes.

Então, como sempre se comenta, o problema está fora do campo.
Fora do campo, eles dão um banho. Programam dez anos da vida de um clube e, aqui, programamos para o dia seguinte. Quando queremos contratações, são jogadores que aparecem, não que foram trabalhados, observados, dissecados para que fossem contratados. É o contrário. 

O europeu é referência, porque se preparou em todos os aspectos. Tem poder de compra, sabe o momento da venda, sabe o que está acontecendo em todos os países que o cercam. Observam atletas em todos os quadrantes do mundo, tanto é que o Real Madrid foi buscar um garoto de 16 anos norueguês. 

Aí, você se assusta (por causa da nação de origem do atleta), mas a Noruega foi campeã sub-17 europeia. Então, os caras estão na nossa frente. Está na hora de a gente despertar. Eles trabalham futebol 24 horas, e nós temos muitos amadores. Reconheço a figura do dirigente que mantém 15 horas de trabalho em suas empresas e doam duas para o clube. Só que não é mais esse o caminho.

Tem que haver profissionalização, que passa pelo dirigente. Se (todos os segmentos) não melhorarem, o futebol brasileiro vai continuar patinando, e vamos ficar nessa ciranda, querendo ser os melhores e estando longe.

Quanto estamos longe de implementar tudo isso?
Muito distantes. Perdemos um ano desde daquele que, para todos nós, foi gran finale de um momento que já vinha se desenhando há muito tempo (refere-se ao 7 a 1 da Alemanha sobre a Seleção na semifinal da Copa de 2014). 

Acreditávamos que a solução estaria no rendimento do atleta, na genialidade. Não é mais isso que acontece, o futebol mudou. A seleção alemã não tem um jogador excepcional, mas tem grandes atletas em todas as posições. São jogadores responsáveis, preocupados, que se doam ao bem coletivo. Está na hora de despertarmos e entendermos que o futebol brasileiro está ficando para trás. Todos somos responsáveis, não só treinadores, que têm sua parcela de culpa, mas não podem ser responsabilizados por tudo.

Uma das coisas que você falou ao longo dessa explanação foi sobre a troca constante de técnicos. Você passou por isso quando deixou o Santos e trabalhou em diversos clubes. Fale como foi esse intervalo entre sua saída e seu retorno ao Peixe.
A saída do Santos complicou toda a minha carreira. Já peguei o Atlético-MG no Z4 há 24 rodadas. A partir daí, peguei só time brigando contra o rebaixamento, e todos os trabalhos foram pegos pela metade. Sempre me responsabilizei por montagens das minhas equipes. Mas, a partir dali, não restabeleci essa condição.

Cite o trabalho mais difícil.
Palmeiras. Não quero passar nunca mais por aquilo. Emocionalmente, o time estava quase zerado. Era difícil a recuperação de um grupo castigado, apanhando a cada rodada. A gente sentia que não tinha mais forças.

Muitos não sabem, mas, ao mesmo tempo que convivia com as dificuldades do Verdão, encarava um sério problema particular...
Foi. Minha esposa teve cinco recuperações durante o ano. É momento muito difícil. Graças a Deus, está começando a passar agora e espero que esse ano seja bem diferente. Inclusive, a principal preocupação, que era a saúde dela, vem sendo restabelecida aos poucos para que tenhamos tranquilidade para trabalhar.

Não há como falar de sua carreira e não lembrar do episódio que culminou em sua demissão no Santos. Por sinal, quem lhe demitiu foi o Luis Alvaro. Encontrou com ele depois daquele fato?
Nunca, mas sempre nos falamos. Três dias depois (da saída), me ligou. Conversamos a respeito e vimos que houve um desencontro.

Como assim?
O presidente entendia que não era para tirar o Ney. No sábado de manhã, demoramos para ir a Campinas (enfrentar o Guarani), por causa de uma reunião. Decidimos tirar o Neymar. Na segunda de manhã, o presidente me disse que tínhamos razão. Imaginei que estava me dando respaldo para fazer o que imaginava, e ele que aquilo tinha sido finalizado a situação (pensou que seria reintegrado). 

Minha ideia era que ficasse fora do jogo contra o Corinthians, para ele ver que Santos é maior do que qualquer nome. Anunciei na terça que o Neymar não seria convocado – o traria para o jogo seguinte (Cruzeiro). Voltei para a sala, e o presidente queria que eu repensasse isso. Falei: “Não é assim que funciona. Não posso fazer isso. É um grupo de trabalho (por isso, veio a demissão)”.

O Luis Alvaro disse que o Ivan Izzo, seu auxiliar na época, foi decisivo para você não rever sua posição. É verdade?
A decisão foi minha. Não poderia deixar de dar uma penalização, todo o grupo esperava isso. Os próprios atletas cobraram do presidente uma posição. O Ivan não teve participação.

Hoje, a decisão seria a mesma?
Você tem de ter atitudes iguais com todos. Ninguém pode ter privilégios. Sempre pensei assim, e nunca vou alterar. Está arrependido? Não, nunca! Voltaria atrás? Também não. A tomada de decisão seria a mesma.

Não fica mágoa?
Nada! De ninguém.

Se você continuasse, seria campeão da Libertadores em 2011?
(Gargalhada) não dá para saber. Tenho certeza de que completaria um ciclo vitorioso. A equipe era a terceira ou quarta do Campeonato Brasileiro e teria condições de chegar. Depois disso, não sei.

Quanto cresceu com toda essa situação?
Em todos os aspectos, você cresce, principalmente nos maus momentos. Os bons contribuem, desde que você se atenha também e consiga não só comemorar, mas buscar uma avaliação. Agora, nos maus momentos, é natural que você se consolide mais e fiquei mais preparado.

Mantém algum relacionamento com Neymar?
Não, mas encontrei-o algumas vezes. Sempre da mesma forma, brincalhão, educado. Entendo o que vinha acontecendo na vida dele. Tentei alertá-lo. O episódio em si, no campo, não foi comigo. Foi com Roberto Brum e Edu Dracena. Só tomei a frente depois. Ele é fantástico.

Qual é seu sonho?
Completar o ciclo dentro do Santos e resgatar aquilo que acabou não acontecendo.

E para o Santos? O que almeja?
Ver o clube estabilizado administrativamente e financeiramente, para que esteja preparado para grandes conquistas.

E para o futebol brasileiro?
Que passemos a viver e trabalhar o futebol com mais intensidade e respeito. O futebol brasileiro está sendo desrespeitado por todos os segmentos. Tem gente brincando com o futebol, e está na hora de pensarem de forma mais séria e saberem que deixamos há muito de ser a principal equipe do futebol mundial. Hoje, talvez nem sejamos respeitados pelo mundo, em razão de todas as atitudes que tomamos. Ficamos para trás e precisamos reconhecer que nosso futebol está doente e precisa que todos se mobilizem em benefício dessa recuperação. Caso contrário, vamos caminhar a cada dia de forma mais problemática. O futebol brasileiro está sendo muito penalizado ao longo dos últimos 30 anos.

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